A indústria da cannabis é uma realidade cada vez mais próxima de todos nós, mas o estigma e o preconceito, que por tantos anos dominaram esse tema, continuam presentes. Para essa indústria crescer no Brasil, não basta que apenas as pessoas que gostam e conhecem a planta lutem para que possam utilizá-la. Precisamos que toda a sociedade entenda a importância desse tema e esteja disposta a discuti-lo. Só assim conseguiremos criar caminhos para que essa indústria se desenvolva e englobe a todos.
O primeiro ponto que deveria ser levado em consideração para a aprovação da cannabis no âmbito federal é a dor do outro. Existem muitos pacientes que encontraram na cannabis um alívio para a dor, para as náuseas, para as convulsões e para uma série de outros problemas que os medicamentos tradicionais não estão conseguindo resolver.
Só esse ponto já seria suficiente para que toda uma indústria surgisse. O direito à saúde é garantido constitucionalmente e, se existe uma chance de a cannabis melhorar a qualidade de vida de pessoas que não estão sendo atendidas pelos medicamentos atuais, o Estado tem o dever não apenas de permitir, mas de garantir o acesso da cannabis a essas pessoas. Isso significa possibilitar que esses pacientes encontrem medicamentos de qualidade e com custo acessível, produzidos com plantas cultivadas da melhor forma, além de permitir que a indústria faça pesquisas e desenvolva outros e melhores produtos.
O segundo ponto é a falência da guerra contra as drogas. A maconha tem liderado essa discussão por ser, de longe, a droga ilícita mais consumida no mundo. A apreensão de drogas diminui sua oferta, mas sua demanda continua quase intacta, o que faz com que seu preço e sua margem de lucro subam. Margens de lucros maiores atraem novos agentes, isto é, traficantes, para o mercado, além de financiarem compras de armas e inovações para despistar a polícia. As cadeias por todo o mundo estão cada vez mais lotadas, a guerra do tráfico continua matando milhares de pessoas, o Estado gasta uma quantidade enorme de dinheiro todos os anos mas a quantidade de usuários não diminui.
O terceiro ponto é a sustentabilidade. O cânhamo, subespécie cultivada com o cannabinoide psicoativo THC abaixo de 0,3%, apresenta diversas funcionalidades industriais. Como substituto do algodão, por exemplo, o cânhamo precisa de até 3x menos água para o seu plantio, além de utilizar uma quantidade muito menor de pesticidas. Além disso, suas raízes longas conseguem regenerar o solo, diminuir erosões e suas plantas apresentam um alto potencial de absorção do CO2. À medida que cresce a urgência de mitigar qualquer impacto ambiental, o cânhamo industrial surge como uma valiosa alternativa em direção a uma economia neutra em carbono.
O quarto e último ponto é o financeiro. Se as pessoas e o meio ambiente não são importantes o suficiente, então vamos pelo dinheiro no bolso. De acordo com dados do governo, desde 2018 a Califórnia já arrecadou com a cannabis aproximadamente USD 2.8 bilhões em tributos. De acordo com as previsões do governador de Nova York, Estado que legalizou o uso medicinal em 2014 e o uso adulto em março de 2021, o Estado deve arrecadar em 2022 em torno de USD 350 milhões com essa indústria.
E não são apenas os governantes que ganham. Quando comparado com outras culturas, muito valor é gerado com o uso de quantidades relativamente baixas de terra e água. Nos Estados Unidos, um quilo de flor de cannabis de qualidade chega custar no atacado entre USD 1.500 e 3.000, enquanto um quilo de milho, arroz ou uva custa em torno de USD 0,10, 0,70 e 0,11, respectivamente. Com novos produtos chegando e novos países abrindo as suas portas, o valor de mercado dessa planta deve aumentar ainda mais. Imaginem todo esse potencial desenvolvido em nossas terras férteis, operadas por nossos hábeis agricultores!
Toda uma cadeia pode surgir com essa indústria e serão muitos agentes beneficiados por ela. Sejam os pacientes que terão acesso a medicamentos de qualidade, sejam os governantes que deixarão de gastar milhões com uma guerra sem fim e passarão a receber dinheiro de impostos. Ainda, o planeta ganhará um aliado no combate ao aquecimento global e a sociedade ganhará com novos empregos e novas oportunidades de negócio.
Mas para que tudo isso ocorra, a discussão precisa sair do “nós” contra “eles”. Precisa sair do tudo ou nada. Como todas as indústrias, existe o ônus e o bônus que devem ser avaliados e estudados. Toda a sociedade sofrerá influência, seja pelo fim da criminalização ou pela manutenção dela. Dessa forma, todos devem se envolver nessa discussão e, mesmo quem nunca fumou um baseado, precisa ter uma opinião a respeito do assunto. Porque não se trata mais da decisão individual de utilizar algo ou não, mas sim de permitir que a sociedade evolua. Chegou a hora de deixar antigas visões de lado e discutir o assunto sem viés político e sem preconceitos!
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